Acesso e organização da Atenção Primária à Saúde em municípios rurais remotos do Oeste do Pará

Em todo o mundo, populações rurais apresentam desigualdades de acesso, cobertura e resultados de saúde quando comparadas às populações urbanas. Na região amazônica brasileira, desafios políticos e estruturais para implantação de políticas públicas de saúde se intensificam frente à diversidade regional: áreas de cheia e vazante dos rios, alta dispersão populacional, precárias condições de trafegabilidade, presença de populações tradicionais com necessidades específicas como indígenas, ribeirinhas e quilombolas. Esse cenário gera implicações diferenciadas para a organização do Sistema Único de Saúde (SUS). O objetivo geral da tese é analisar as especificidades do acesso e organização da atenção primária à saúde (APS) no SUS em municípios rurais remotos (MRR) do Oeste do Pará. Buscou-se iluminar estratégias e possibilidades locais de organização dos serviços de APS no SUS que melhor respondam às especificidades socioespaciais e das populações que vivem nos territórios rurais. Trata-se de estudo com abordagem qualitativa, com dados primários da pesquisa nacional “Atenção Primária em territórios rurais e remotos do Brasil”, desenvolvida na Fiocruz. Analisou-se dados de cinco municípios do Oeste do Pará: Rurópolis, Jacareacanga, Aveiro, Curuá e Prainha, selecionados intencionalmente com diferentes características socioeconômicas e geográficas, considerando a extensão territorial, presença de populações tradicionais, PIB per capita, proporção de população em situação de pobreza e localização segundo fluxos fluviais ou terrestres. Em cada um dos cinco municípios da amostra foram realizadas visitas a unidades básicas, entrevistas com gestores municipais (secretários de saúde e coordenadores de atenção básica), profissionais de saúde médicos e enfermeiros, agentes comunitários de saúde e usuários dos serviços, totalizando 70 entrevistas, orientadas por roteiros semiestruturados.

As fontes de informação incluíram também registros de campo com observações dos entrevistadores, banco de dados com perfil de entrevistados e síntese das entrevistas, revisão de literatura e dados secundários de bancos nacionais de acesso público. Foi realizada análise temática de conteúdo das entrevistas a partir de categorias preestabelecidas com base na literatura, e categorias emergentes do material empírico. As informações e dados das diversas fontes foram trianguladas e contrastadas perspectivas dos diferentes atores entrevistados. Os resultados do estudo são apresentados em três artigos. O Artigo 1 teve por objetivo analisar o processo de trabalho dos ACS em MRR e identificar especificidades e contribuições para o cuidado na atenção primária à saúde. Os resultados apontaram um conjunto abrangente do escopo de práticas dos ACS, que envolveu acompanhamento familiar, cuidados e medidas preventivas individuais, abordagem coletiva e atividades administrativas, sendo as visitas domiciliares sua principal ação. Esse profissional revelou-se com o papel de promover cuidados, facilitar o acesso da população rural à rede de atenção à saúde e atuar como elo real entre populações rurais e serviços de saúde, tornando-se um agente de continuidade do cuidado. Houve reconhecimento de necessidades de maior apoio da gestão municipal para o pleno desenvolvimento do trabalho do ACS e de melhor formação. O Artigo 2 teve como objetivo analisar o acesso à APS no SUS em cinco MRR do Oeste do Pará, discutindo as principais barreiras e desafios para o acesso frente às especificidades dos territórios rurais. As barreiras de acesso geográfico destacaram-se pelas grandes distâncias, longos tempos de deslocamento, altos custos, precárias condições das vias e transportes, com variação sazonal, em épocas de cheias e vazante do rio. Do ponto de vista da organização dos serviços, há oferta insuficiente de consultas, exames e medicamentos, restrição nos dias de funcionamento das UBS e ações itinerantes, decorrentes das dificuldades de atração e rotatividade profissional, e influenciadas pelas barreiras geográficas. Um maior suporte da rede de atenção especializada mostrou-se fundamental. O Artigo 3 teve por objetivo identificar especificidades e estratégias da organização da APS em MRR do Oeste do Pará frente singularidades do contexto amazônico. Nos cinco municípios, a rede de serviços de saúde é exclusivamente SUS, porém a oferta é insuficiente.

Descontinuidades no cuidado em saúde das populações do interior do município geram dependência de deslocamentos de usuários até a sede para atenção ou, o aguardo de atendimento itinerante, em geral esporádico. A política federal de provimento (Programa Mais Médicos); o escopo ampliado de práticas de enfermeiros e técnicos de enfermagem em áreas do interior, o sobreaviso e os atendimentos itinerantes foram identificados como estratégias locais para organizar a APS rural na busca de melhor acesso e cuidado, com diferenças no escopo das ações entre as Unidades Básicas de Saúde do interior e da sede dos municípios. A síntese e interlocução entre os resultados dos três artigos são apresentadas nas considerações finais, com recomendações para uma APS integral no SUS. As características dos municípios rurais remotos precisam ser vistas como cenário para formulação de políticas públicas e não como obstáculos. Há de se formular estratégias singulares para oferta e organização dos serviços para populações rurais, articuladas a intervenções intersetoriais para melhoria da infraestrutura para acesso, a fim de evitar os referidos impactos das barreiras de acesso na garantia do direito à saúde. Dentre as principais recomendações de modelos de organização que favoreçam a implantação de uma Atenção Primária à Saúde integral em contextos rurais remotos destaca-se: territorialização dinâmica orientada por contextos locais e participação social; adequação do número de famílias sob responsabilidade dos ACS e equipes rurais à dispersão da ocupação territorial; atendimentos itinerantes com visitas periódicas regulares em tempo oportuno; valorização da identidade regional rural; investimentos em infraestrutura das Unidades Básicas de Saúde, de tecnologias de informação e comunicação e programas de Telessaúde; financiamento federal suficiente e diferenciado; políticas de provimento e regulação do mercado de trabalho para fixação profissional direcionada ao rural. Estratégias especificas para organização de uma APS integral e integrada à Rede de Atenção à Saúde são necessárias para garantir que todos os cidadãos recebam um nível de serviço de qualidade e acessível, independentemente de onde vivam.

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Autores
Juliana Gagno Lima
Países
Brasil
Periódico
Acervo da pesquisa da rede APS MRR
Idioma
Português
Ano
2021
Própria
1
Tipo
Tese